terça-feira, 9 de março de 2010

O 25 de Abril e a Cultura

O 25 de Abril e a Cultura

A Revolução de 25 de Abril de 1974 produziu importantes alterações na vida cultural, nos comportamentos do quotidiano e na vivência dos valores. Mas, foi ela própria, por seu lado, fruto em boa parte do processo de mutação cultural e mental em curso no mundo ocidental, desde os anos 60 e cujos reflexos em Portugal a repressão política esteve longe de poder conter.

A liberdade de expressão e criação e a eliminação dos últimos entraves tradicionalistas à explosão do sistema escolar modificaram radicalmente a paisagem da informação, do ensino e da vida artística do País.

No domínio da comunicação social o crescente impacto da televisão, acompanhada dos jornais e revistas com tiragens em progressão, vem reforçar o papel da opinião pública. A partir do início dos anos 70 a RTP transmite novos programas com preocupações culturais, como o Zip-Zip, capaz de transmitir uma nova mentalidade e de cultivar o humor e a sátira com conotação política.

Já no declinar da ditadura, o aparecimento do semanário Expresso (6/1/71) terá um forte impacte na opinião pública, reforçando decisivamente a frente liberal da imprensa, onde o quotidiano República e o mensário Seara Nova representavam os sectores tradicionais da oposição democrática. Mas também a rádio se renovava e estações como o Rádio Clube Português e a Rádio Renascença abriam as suas ondas a programas onde o entretenimento se aliava à difusão de preocupações que o regime tendia a considerar cada vez mais subversivas.

A partir do início dos anos 70 a criação cultural e o consumo culturais conhecem, uma fase de acentuada dinamização, mal-grado todas as condicionantes repressivas. A vida cultural é cada vez mais uma das principais frentes de resistência democrática ao regime, sem prejuízo do pluralismo estético que se vê, aliás, reforçado.

A criação e a vida musical não se mostram menos abertas aos ventos da mudança. À parte da música dita erudita, também a renovação passa pela música ligeira, com a nova balada coimbrã, a abertura aos ritmos modernos do rock e do bossa-jazz, enquanto os organismos oficiais continuam a apoiar a canção ligeira, de melodia e conteúdos pobres e conformistas "o nacional cançonetismo". .O festival de Vilar de Mouros em 1971, que congrega grupos nacionais e estrangeiros de rock, jazz e pop num vasto espaço campestre a que acorrem verdadeiras multidões de jovens, é marco simbólico da viragem em curso. Nos meios universitários a balada de intervenção com letras de poetas da resistência, é uma arma obrigatória nos convívios e manifestações de contestação académica. O I Festival de Canto Livre em vésperas do 25 de Abril, em que canções censuradas são trauteadas sem palavras por milhares de pessoas em ambiente de grande fervor emocional, representa o auge deste movimento.

Zeca Afonso foi a figura máxima da canção de intervenção dos anos 60 e 70. Da renovação do fado de Coimbra passou à criação de um estilo próprio, com composições e letras suas, muitas vezes inspiradas em motivos populares, que rapidamente granjearam enorme adesão, particularmente nos sectores juvenis e mais politizados. A sua canção Grândola Vila Morena viria a ser escolhida pelo Movimento Dos Capitães para «senha» do 25 de Abril.

A criatividade artística na literatura no teatro, no cinema, nas artes plásticas, na arquitectura, na música, na moda e no design - conheceu, entretanto, novas condições de afirmação, tanto em Portugal como no estrangeiro, graças a um mais forte empenhamento dos poderes públicos no apoio a criadores e no financiamento de infra-estruturas de produção e formação. Mas permanecem ainda fortes obstáculos estruturais ao acesso mais generalizado da população aos bens culturais, apesar da multiplicação e diversificação da oferta cultural nos grandes centros, do esforço descentralizador e do crescente papel do poder local nesta área.

Também no plano das mentalidades, o 25 de Abril veio acelerar uma mudança já em curso, desde o período final do Estado Novo, permitindo a respectiva tradução jurídico-institucional, nomeadamente nos domínios do direito da família e da condição feminina. A laicização dos comportamentos e valores vem derrubar os últimos obstáculos, à custa da perda de influência das concepções conservadoras sobre o divórcio, a afirmação da mulher na sociedade, no mundo do trabalho, o planeamento familiar…

Para um país, como afirma Eduardo Lourenço, "com identidade a mais " seria legítimo imaginar que tantas e tão bruscas viragens em tão pouco tempo poderiam causar vertigem e o conflito. Assim não foi!

Grândola Vila Morena

Grândola Vila Morena
Terra da fraternidade,
O povo é quem mais ordena,
Dentro de ti, ó cidade.

Em cada esquina um amigo,
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena,
Dentro de ti ó cidade.

À sombra de uma azinheira,
Que já não, sabia a idade,
Jurei ter por companheira,
Grândola a tua vontade.

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