sábado, 17 de outubro de 2009


Mutações nos Comportamentos e na Cultura

Transformações na Vida e na Cultura

Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial havia, na Europa, cerca de 180 aglomerados urbanos. Sendo esta a primeira vez na história que a população urbana ultrapassa a população rural, já no mundo industrializado.
Esta urbanização compacta, que continuou a aumentar, provocou grandes alterações na vida e nos valores tradicionais da civilização ocidental


I - Uma nova Sociabilidade

As populações que vêm para as cidades vêem-se obrigadas a abandonar o seu antigo estilo de vida, acabando assim por adquirir novas formas de sociabilidade.
A vida despersonaliza-se, visto que segue um modelo estandardizado, isto é, a maioria das pessoas levanta-se à mesma hora para ir trabalhar, faz as mesmas coisas a que os comportamentos tal como os objectos sejam estandardizados (normas, padrões, práticas), tornando as pessoas indiferenciadas, reagindo sob a pressão que o colectivo (sociedade de consumo) exerce sobre elas.
Há um crescimento da classe média, as pessoas passam a trabalhar menos horas e o nível de vida aumenta, proporcionando uma nova cultura do ócio, que a cidade facilita, oferecendo muitas distracções, nomeadamente, clubes nocturnos, cafés, esplanadas, cinemas, salões de bailes, recintos desportivos, etc. Todos estes factores contribuíram para que as pessoas passassem a ter mais tempo e dinheiro para o divertimento e prazer.
Abriu-se um novo ciclo de solidariedade humana e conveniência entre sexos, de modo mais ousado e livre, que rompeu com todas as regras sociais impostas até aqui. O ritmo de vida acelerou e cada vez mais as pessoas começaram a ficar fãs da acção, desporto, velocidade e uso do automóvel.

II – A Mudança dos Valores Tradicionais

A superioridade da civilização ocidental dava aos Europeus e Americanos a certeza de que viviam numa época de prosperidade que era apoiada em valores sólidos e grandes realizações tecnológicas, caminhando, assim, na vereda do progresso.
Entre 1914 e 1918 todas as certezas e esperanças abateram-se. A violência da Primeira Guerra Mundial fez com que morressem milhões de soldados no meio de uma grande carnificina, acabando por derrubar valores morais e espirituais, e toda a estrutura social que tinha sustentado a burguesia no século XIX. A miséria tomou conta das outrora mais célebres e activas cidades europeias.
A descrença e o pessimismo ocuparam a mente das pessoas, tanto a das intelectuais como a das mais comuns. Deu-se uma profunda crise de consciência que atinge todos os sectores da vida: na religião, na moral sexual, na família, no casamento, no papel da mulher, etc. As regras de conduta social deixaram de ter um padrão rígido e foram abertas e sistematicamente destruídas. Trata-se de uma anomia social, isto é, ausência de normas morais e sociais, que, com clareza, distinguissem o certo do errado.
Todos estes factores contribuíram para que muitas mudanças fossem concretizadas nas grandes cidades, nomeadamente, aquela que mais impacto teve foi a emancipação feminina.

III – A Emancipação da Mulher

O novo papel que a mulher vai ocupar na sociedade é resultado de todas as modificações que se deram no pós-guerra. Nos loucos anos 20 houve imensas transformações no modo de pensar e agir das mulheres. As jovens passaram a usar o cabelo cortado à rapaz (à garçonne), ajustaram as saias ao corpo e subiram-nas até ao joelho, começaram a fazer vida nocturna, etc. No entanto estas foram as mudanças radicais e mais escandalosas na conduta da mulher do século XX.
O movimento feminista (luta levada a cabo pelas mulheres com vista a obter a igualdade de direitos para ambos os sexos, aos níveis jurídico, intelectual, social, político e económico) organizado remonta ao século XIX. Este movimento começa por reivindicar certos direitos das mulheres casadas: propriedade dos bens, à tutela dos filhos, acesso à educação, ou seja, reconhecimento social para a mulher sair do papel secundário que sempre tivera na sociedade. Nos finais do século XIX a mulher lutou pelo direito na participação política, através do voto. Surgem, então, as sufragistas (defensoras da extensão do voto às mulheres). Na Europa, destacam-se nomes como Emmeline Pankhurst, em Inglaterra, onde as sufragistas chamaram a atenção do grande público através de variadas acções de rua, na imprensa, manifestações e greves de fome.
Em Portugal fundou-se a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em 1909, e em 1911, a Associação de Propaganda Feminista, com os mesmos objectivos das demais organizações de mulheres Europeias, salientando-se nomes como Ana Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo, entre outras.
O feminismo usou várias formas de chamar a atenção, através da moda e do vestuário, valorizando o corpo e a aparência: novos cortes, tecidos mais leves, saias mais curtas, substituição do espartilho pelo soutien, etc. Tudo aquilo que fugisse ao tradicionalismo servia para chamar a atenção, no entanto, até à Primeira Guerra Mundial as mulheres e o movimento feminista foram censurados e menosprezados pelos poderes políticos e pela própria sociedade, maioritariamente conservadora. Após a grande guerra, e depois de as mulheres mostrarem o que valiam, isto é, no decorrer da guerra as mulheres foram capazes de substituir os homens em quase todas as tarefas – sustento da família, trabalho nas fábricas, reparações eléctricas, transporte de objectos pesados, tarefas agrícolas e até na frente das batalhas, como enfermeiras. Esta situação veio valorizar a mulher socialmente e reforçou a sua autoconfiança. Nas décadas posteriores ao final do conflito, na maior parte dos países ocidentais, as mulheres obtiveram o direito à intervenção política (ver anexos), fortaleceram a sua posição jurídica na família e viram aberto o acesso a carreiras profissionais prestigiadas.
Embora hoje em dia, existam ainda algumas resistências, o movimento feminista do início do século derrubou as principais barreiras e abriu à mulher uma nova etapa da sua história.


A Descrença no Pensamento Positivista e as Novas Concepções Científicas

No século XIX, o positivismo defendia que o racionalismo e a ciência detinham a capacidade de responder a todos os mistérios do universo. Contudo, no século XX, isto muda.
O filósofo Henri Bergson defendia que existem realidades que não podiam ser limitadas às leis físicas ou matemáticas. Para um conhecimento mais profundo o racionalismo deve fazer-se acompanhar da intuição. Esta era algo diferente da inteligência e mais próxima do instinto que nos revela aquilo que não é aparente, ao contrário da via racional que nos mostra as coisas “por fora”. Assim, tanto o transcendente como a imagem de Deus foram revalorizados.
O Relativismo
A descoberta de que o átomo não era a unidade mais pequena da natureza, permitiu à Física abrir uma nova área de estudos denominada microfísica. Max Planck foi um pioneiro desta área, mostrando que, contrariamente ao que se pensava, as trocas de energia não acontecem num fluxo suave e constante, mas em pequenas quantidades individuais (às quais Planck chamou quantum) que se movem numa velocidade incrível, em saltos bruscos e descontínuos.
A teoria quântica permitiu então um grande avanço na microfísica pois revelou o comportamento dos átomos e dos seus constituintes, revelando que o mundo não tem regras fixas e não é possível prever com toda a certeza acontecimentos futuros ou mesmo perceber claramente o que está a acontecer no presente.
Contudo, foi Albert Einstein que protagonizou a maior revolução na ciência no início do século, ao destruir as bases mais sólidas da Física, negando o carácter absoluto de tempo e espaço.
Einstein defendia que o tempo é uma variável que decorre mais depressa ou devagar conforme a velocidade dos corpos. Esta teoria foi enunciada em 1905 e acabada em 1916 na obra Teoria da Relatividade Generalizada.
As teorias de Planck e Einstein abalaram então a comunidade científica que se viu obrigada a reconhecer que o Universo era mais instável do que se pensava e que a verdade científica não era assim tão universal.
Abriu-se então uma nova concepção científica – o relativismo – que rejeitou o determinismo racionalista baseado na ordem e aceitou o mistério e a probabilidade como partes integrantes do conhecimento.

As Concepções Psicanalíticas

Também a concepção de que o Homem possui uma mente completamente racional foi abalada pelos estudos do médico austríaco Sigmund Freud. Este era um interessado nos estudos dos neurologistas Jean Charcot e Josef Breuer que tinham em comum o facto de utilizarem a hipnose para curar sintomas neurasténicos.
Freud compreendeu então que sob hipnose os pacientes se recordavam de coisas que se julgavam esquecidas. Esta constatação revelou assim a existência de uma parte da mente humana mais obscura que nós não controlamos mas que se manifesta no comportamento – o inconsciente. Foi com base nesta conclusão que Freud elaborou os princípios a que depois veio a chamar psicanálise.
Segundo a psicanálise a mente humana divide-se em três partes diferentes: o consciente, o subconsciente e o inconsciente.
O consciente é uma pequena parte da mente que se assemelha à “extremidade visível do iceberg”, contrariamente ao inconsciente que é uma camada maior, mais profunda e mais obscura. Entre estas duas encontra-se o subconsciente, constituído por alguns elementos psíquicos que podem passar ao consciente com facilidade que pode portanto ser considerado como um “filtro” entre as outras duas partes já referidas.
Influenciado pela moral, o indivíduo bloqueia factos que o envergonham e culpabilizam tendencialmente, aprisionando-os no inconsciente onde ficam aparentemente esquecidos.
Contudo, estes pensamentos reprimidos podem afluir à consciência em lapsos, esquecimentos súbitos, pequenos gestos inconscientes ou, numa forma mais grave, distúrbios psíquicos aos quais Freud chamou neuroses.
Para além da teoria revolucionária sobre o psiquismo, a psicanálise inclui também um tratamento das neuroses que consiste em trazer ao de cima os traumas que lhes deram origem, racionaliza-los e aceitá-los. Este tratamento baseia-se maioritariamente em num método em que o paciente deixa fluir livremente as ideias que tem na mente e também na análise dos sonhos que Freud considerava a “via régia de acesso ao inconsciente”.
No princípio do século XX, as concepções psicanalíticas chegaram a conhecimento do público geral onde foram recebidas entusiasticamente. A descoberta do lado irracional da mente humana afectou assim os comportamentos em sociedade, levando à quebra das convenções sociais que marcou os anos 20.
O impacto da psicanálise chegou ainda ao mundo da arte, originando o movimento surrealista que teve uma forte expressão no panorama cultural na primeira metade do século.

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